INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE : PERCURSO HISTÓRICO, CONCEITOS E EXEMPLIFICAÇÕES
O texto redistribui a língua. Uma das vias dessa reconstrução é a de permutar textos, fragmentos de textos que existiram ou existem em redor do texto considerado, e, por fim, dentro dele mesmo; todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis. (KOCH 2003, p.59).
A Linguística Textual concebe a intertextualidade como um dos fatores de textualidade (BEAUGRAND; DRESSLER, 1980), ou seja, elementos que fazem com que um conjunto seja um texto. Tanto a produção quanto a recepção de um texto recorrem ao conhecimento prévio de outros textos. Koch (2003, p. 46) comenta:
Todo
texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior
com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos,
que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a
que alude, ou a que se opõe. (Koch 2003, p. 46)
A
intertextualidade é um dos temas ainda pouco explorado pela Linguística de
Texto no tratamento dos textos multimodais, mecanismo linguístico pelo qual se
reconhece uma relação intertextual constitutiva dos textos. De fato, a origem do conceito de
intertextualidade é creditada aos estudos da Teoria Literária. É nesse campo
que Kristeva (1974) argumenta que os textos na obra literária são constituídos
de textos anteriores, por isso era preciso pensá-la como um “intertexto”.
Na
atualidade, conforme Koch, Bentes e Cavalcante (2007), a intertextualidade,
sumariamente definida como a relação que cada texto estabelece com os textos
que o cercam, tem sido objeto de estudo da Linguística Textual, da Análise do
Discurso e da Teoria Literária. Koch (2003) adverte sobre a distinção entre
intertextualidade em sentido amplo e intertextualidade stricto sensu. Na
visão da autora, a intertextualidade em sentido amplo é constitutiva de todo e
qualquer texto, enquanto que a intertextualidade stricto sensu, ocorre quando,
“em um texto, está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido,
que faz parte da memória social de uma coletividade ou da memória discursiva
dos interlocutores” (KOCH, 2003, p. 146).
A
referida autora ainda nos diz sobre a existência de intertextualidade explícita
e intertextualidade implícita. A primeira ocorre quando no próprio texto é
feita menção à fonte do intertexto, é o caso das citações, referências e etc.
Já a intertextualidade implícita é definida pela autora da seguinte forma:
[...] a intertextualidade
será implícita quando se introduz no texto o intertexto alheio, sem qualquer
menção da fonte, com o objetivo quer de seguir-lhe a orientação argumentativa,
quer de colocá-lo em questão, para ridicularizá-lo ou argumentar em sentido
contrário. [...] o que ocorre, de maneira geral, é que o produtor do texto
espera que o leitor/ ouvinte seja capaz de reconhecer a presença do intertexto,
pela ativação do texto fonte em sua memória discursiva, visto que, se tal não
correr, estará prejudicada a construção do sentido, particularmente no caso da
subversão. (KOCH, 2003, p. 146).
Koch,
Bentes e Cavalcante (2007), também contribuem com o estudo da intertextualidade
ao retomarem as categorias apresentadas por Koch (2003), e acrescentado a esta
uma exaustiva lista de outras possíveis classificações de intertextualidade,
abordadas sob as mais diversas perspectivas. Sumariamente, podemos citar: a
intertextualidade temática, a intertextualidade estilística e a
intertextualidade das diferenças, a intertextualidade intergenérica, entre
tantas outras abordadas pelas autoras.
A intertextualidade é um fenômeno estudado sob as mais diversas perspectivas, da crítica literária à Linguística Antropológica. Um estudo que ganhou bastante repercussão da literatura específica da intertextualidade foi o estudo desenvolvido por Piègay- Gross (1996), que se configura como uma reorganização do que havia sido estudado por Genette. Cavalcante (2012) resume as relações intertextuais proposta por Piègay- Gross (1996) da seguinte forma:
Quadro 1: Relações intertextuais de
Piègay- Gross (1996)
Relações Intertextuais Piègay-Gross
(1996)
Quadro adaptado Fonte: (CAVALCANTE, 2012, p. 146).
Como é notório, Cavalcante (2012), explica as relações intertextuais em dois polos: as relações por copresença e as relações por derivação. O primeiro trata daquelas em que é possível perceber por meio de distintos níveis de existência, a presença de fragmento de textos anteriormente construídos. Já o segundo acontece quando um texto deriva de outro previamente existente. Nesse segundo polo, Cavalcante (2012), propõe que se acrescente a paráfrase e o détournement, um tipo especial de paródia, segundo a autora.
Pode-se perceber a intertextualidade quando em um texto está inserido um intertexto outrora produzido, o qual faz parte da memória discursiva dos interlocutores. Segundo Koch; Bentes e Cavalcante (2007), a intertextualidade será explícita quando no próprio texto é feita menção à fonte do intertexto, isto é, quando outro texto ou um fragmento é citado e/ou atribuído a outro enunciador, ou seja, quando é reportado como tendo sido dito por outro ou por outros. Por sua vez a intertextualidade implícita se dá quando se introduz, no próprio texto, intertexto de outrem, sem qualquer menção evidente da fonte, com o objetivo quer de seguir -lhe a orientação argumentativa, colocá-la em questão, de ridicularizá-lo ou argumentar em sentido contrário. Espera-se que o leitor seja capaz de reconhecer a presença do intertexto, pela ativação do texto-fonte em sua memória discursiva.
Nas
relações intertextuais estabelecidas por copresença, é notável a presença de
trechos de textos produzidos que podem ser encontrados em outros. Segundo
Cavalcante (2012,p.147) , Gennette (1982), aponta três formas principais de
intertextualidade por copresença, a saber, a citação, a alusão e o plágio. A
essas, Piègay-Gros(1996) acrescentou o subtipo referência.
A citação trata-se da retomada explícita de um fragmento de texto no corpo de outro texto. Transcrição do texto alheio marcado por aspas, usada para apoiar uma hipótese, sustentar uma ideia ou ilustrar um raciocínio, comumente vem assinalada por sinais tipográficos tais como aspas, recuo de margem, fonte em itálico e demais fatores que podem demarcar uma fronteira entre o trecho citado e o texto no qual ela faz parte. Mas ao se tratar de intertextualidade essa regra tem suas exceções, nem toda citação vem marcada por sinais tipográficos, nesses casos o autor espera do seu destinatário que ele consiga recuperar o intertexto facilmente através do seu conhecimento de mundo.
Exemplo: 01 Citação de Dilma Rousseff
As
partes sublinhadas do texto da notícia demarcam que a presidente Dilma Rousseff já havia
proferido as palavras em um discurso anterior, por isso ao noticiar o que ela
falou, o jornal precisou utilizar-se das aspas para demarcar que o texto não
pertence ao escritor da notícia e sim que é uma fala de pertencente a
terceiros. Nobre (2013) frisa que uma das características da citação é seu alto
grau de explicitude, dada a existência de marcas tipográficas que demarcam as
fronteiras entre o texto citado e o texto que cita.
Exemplo:
02 Leite Condensado Moça 50 anos
Fonte: (CAVALCANTE,
2012, p. 149).
No
exemplo (02), vemos um anúncio do leite condensado Moça, que escolhe como frase de efeito uma citação de um trecho da
música Mania de você da cantora Rita Lee.
Aqui não existem marcas tipográficas que indicam o intertexto, pois o gênero
anúncio não juga conveniente o uso de aspas em suas publicidades, a intenção do
autor é que o leitor consiga facilmente compreender o conteúdo através de seus
conhecimentos prévios, recontextualizando assim, o sentido original que
metaforiza o desejo de comer.
Por sua vez, plágio constitui-se do apoderamento de textos alheios sem a devida menção ao autor, aquele que comete o plagio traz para si a autoria do texto de outrem. Podemos citar aqui, três tipos de plagio, o plagio integral, onde copia-se palavra por palavra do texto sem citar de onde veio a fonte, há também o tipo de plagio parcial, onde o trabalho é constituído de um mosaico formado por cópias de frases e parágrafos sem citar suas fontes. E ainda podemos citar o plagio conceitual que consiste na apropriação das ideias do autor escritas de uma nova forma, mas ainda sem citar a fonte. O plágio como pontua Cavalcante (2012, p. 149).
[...] Em práticas de
conhecimentos de formas de demarcação de autoria como em praticas discursivas
do mundo acadêmico, em que se deve marcar a propriedade do que é dito a partir
da referência ao autor e a data de publicação onde as ideias discutidas (por
meio de citações e paráfrase) se encontram inseridas. (CAVALCANTE, 2012 p.149).
Em se tratando de referência é sabido
que, constitui-se de um conjunto de elementos de uma
obra escrita como título, autor, editora, local de publicação e outras, que
permitem a sua identificação. A
referência, segundo Cavalcante (2012 p.150) é ainda um processo de remissão ao
outro texto sem citá-lo necessariamente. A referência é ainda, segundo Forte
(2013) uma
forma de conceder para a citação, um caráter de explicitude do intertexto,
ainda que não exponha fragmentos do texto a que se remete.
Exemplo: 03 Mondada e Dubois (1995)
Fonte: (CAVALCANTE,
2012 p.150).
Exemplo: 04 Sou Sua
Fonte: (CAVALCANTE,
2012 p.150).
Em
(04), observamos a letra da canção Sou
Sua da cantora Adriana Calcanhoto, onde há um claro exemplo de referência
textual que cita duas personagens, Amélia
e Ofélia, a exige do leitor um
conhecimento prévio para que ele saiba de quem se tratam, Amélia, o exemplo de mulher submissa da canção Ai que saudades da Amélia e Ofélia,
personagem da tragédia Hamlet
conhecida por sua melancolia e loucura.
No que consiste à alusão sabemos que é o tipo de relação intertextual que faz referência ao texto fonte de uma forma indireta, deixando apenas uma sinalização para que o coenunciador faça as devidas inferências e apele à memória discursiva para compreender o intertexto presente no texto. Forte (2013) ressalta que quanto mais clássico ou conhecido o texto a que se está fazendo alusão, mais será ela eficaz no que diz respeito ao seu reconhecimento pelo leitor.
Exemplo
06: Mônica e Cebolinha em João e Maria
Fonte: (CAVALCANTE, 2012 p.154).
No
exemplo (06), a memória do leitor recupera facilmente a historia infantil de
João e Maria, onde os dois irmãos adentram a mata e para encontrar o caminho de
volta para casa demarcam o caminho com pedaços de pães. Aqui o intertexto é
reconhecido tanto nas falas dos personagens quanto pela situação vivida por
eles.
Notamos
que no texto não há menções ao texto fonte, porém as pistas textuais deixadas
no texto remetem o leitor ao texto origina do qual deriva a tirinha. A alusão
tem como principal característica remeter o leitor ao texto do qual deriva, por
meio de pistas textuais deixadas no novo texto.
Essas
são as relações que ocorrem quando um texto deriva de um outro texto já
existente. Ocorrem quando não há uma citação direta do texto fonte, o
interlocutor terá que buscá-la na memória e identificar o intertexto para dar
sentido ao texto.
A paródia consiste em um tipo de intertextualidade que reformula, transforma o texto-fonte em um novo texto, com a finalidade de alcançar outros desígnios.
Exemplo:07
Fonte: (CAVALCANTE, 2012 p.158).
No
exemplo (07), para identificarmos o intertexto na figura da direita, Mônica com
a sombrinha (1991), de Maurício de Sousa, faz-se necessário que o leitor busque
em sua memória a pintura do impressionista Claude Monet, Mulher com a sombrinha
(1975), figura da esquerda, para construirmos o sentindo do discurso na imagem
que está retomando á obra. A essa recriação de textos é dado o nome de paródia,
um tipo de intertextualidade implícita.
Exemplo 08: Margarina Amélia
Fonte: (CAVALCANTE, 2012 p.159).
Exemplo
09 Ai que saudades da Amélia.
O
exemplo (08) trata do anúncio da margarina Amélia e faz uso da relação intertextual do nome da
marca da margarina com a canção, “Ai que saudades da Amélia”, do grupo musical
Demônios da Garoa. Aqui o détournement ocorre
na troca da palavra mulher da canção
por margarina no anúncio, nota-se
também que o tempo verbal foi mudado do passado para o presente, reforçando a
ideia que o produto anunciado é o melhor, deixando subentendido que as outras
margarinas não o são.
O
détournement deriva de textos
preexistentes, ressignificando-o. Uma das principais características dessa
relação intertextual é que ela se detém a textos curtos, como por exemplo slogans, frases de efeitos, títulos de
filme, frases para outdoor, dentre
outros desse mesmo segmento.
O travestimento burlesco segundo Piègay-Gros
(1996,p.56-57) apud Cavalcante (2012 p. 161) se diferencia por ser “baseado na
reescritura de um estilo a partir de uma obra cujo conteúdo é conservado”. Com
finalidade também satírica, o texto travestido retoma o conteúdo, preservando a
estrutura e o estilo. Partindo desse entendimento, conforme Cavalcante (2012) o
site Desciclopedia constitui-se como um exemplo desse tipo de relação
intertextual.
Exemplo 10: O Satânico Doutor Temer
Fonte: Adaptado Cavalcante (2012 p. 162).
O Desciclopedia
é um site que apresenta um humor
satírico, que subverte o site Wikipedia. Nesse formato a biografia e
histórico político do então presidente da república, aparece deturpado através
de expressões e opiniões equivocadas oriundas de seus discursos, assim como
episódios ocorridos em seu mandato. Esse tipo de relação intertextual é marcado
pela transformação de um estilo, no texto acima, de sério passa a um texto de
cunho depreciativo que busca trazer informação o Desciclopédia por sua vez,
traz desinformação, uma de suas principais características e contradizer tudo
aquilo que está sendo informado.
Podemos observar a imagem que o site subverte as informações a respeito do que se fala e de quem se fala, no exemplo do atual presidente do Brasil Michel Temer, o site altera sua biografia, tal como nome dos pais e até mesmo o nome do próprio presidente visando satirizar a figura do presidente. Nos casos de travestimento burlesco percebemos uma transformação de um estilo do sério para o satírico como ocorre com os sites Wikipédia e Desciclopédia. Já o pastiche consiste em um tipo de imitação de um determinado estilo do autor ou de traços de sua autoria, o pastiche é também uma colagem de outros enunciados numa criação artística. preexistente, reconhece-se aqui uma finalidade satírica do pastiche.
Exemplo 11: Dicionário de Mineirês
Fonte: Cavalcante
(2012 p. 165).
No exemplo (11), não é notável a imitação de um estilo, mas a modificação de um texto especifico preexistente. Aqui as expressões usadas cotidianamente pela população de Minas Gerais são reproduzidas em forma do que seria um dicionário dos mineiros. Aqui vemos que a oralidade adentrou os limites da escrita fugindo da norma padrão, para representar as marcas da oralidade dos mineiros, esta reformulação do vocabulário forma a relação intertextual Pastiche.
Quanto
a paráfrase podemos dizer que esse tipo de intertextualidade caracteriza-se por
uma repetição de outro texto, para esclarecê-lo ou reafirmá-lo, consiste também
em condensar aquilo que já foi dito no texto do qual o novo texto deriva,
podendo assim exercer uma função didática no que concerne aos estudos do texto.
INTERDISCURSIVIDADE
O conceito
de interdiscursividade alinha-se à concepção de que os discursos se
relacionam a outros discursos. Um discurso traz, em sua constituição, outros
discursos, é tecido por eles, seja pelos já ditos, em um dado lugar
e momento histórico, seja por aqueles a serem ainda produzidos. Nosso discurso
não é originado no acaso, ele é fruto de um atravessamento de vozes por outras
fontes enunciativas. A interdiscursividade engloba discursos construídos por
outros sistemas semióticos, como os de domínio da pintura, música, artes
teatrais e cinema.
Visto dentro da Análise
do Discurso o texto é tido como heterogêneo. A interdiscursividade é uma
característica do discurso. Os interlocutores são vistos como sujeitos
socio-historicamente situados. A
principal diferença entre a intertextualidade e a interdiscursividade é que a primeira
trata-se de um entrelaçamento de textos, enquanto que a segunda salienta
cruzamentos de vozes que compõe o discurso.
Exemplificando...
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